Critical Design foi o termo criado em 1999 por Anthony Dunne, designer e professor do Royal College of Art de Londres, em seu livro Hertzian Tales: Electronic Products, Aesthetic Experience, and Critical Design. Posteriormente foi apropriado e utilizado por teóricos, artistas e outros alinhados a esse projeto crítico, especulativo e ficcional. Dune e sua parceira Fiona Raby, seguiram a trilha do Radical Design italiano das décadas de 1960 e 1970 [1].
Radical Design foi o movimento que à sua época integrou arte, design e arquitetura das vanguardas italianas imersas em uma cultura pop pós-moderna influenciada sobretudo pelas experimentações e colagens dos ingleses do Archigram.
O designer italiano Ettore Sottsass declararia no final dos anos 60 que o design, além de ser uma forma de discutir a sociedade, política, comida, ou o próprio design, era uma maneira de se construir uma possível utopia figurativa ou metafórica sobre a vida [2]. A Itália da década de 1970 foi profundamente marcada por esse amplo movimento criativo que também foi chamado de “Anti-Design”, por intensificar seu discurso contra o mercado e as relações de consumo e obsolescência programada em uma sociedade capitalista, proposta similar à da Anti-Arte.
A produção em torno do Radical Design foi marcada pela atuação intensa de grupos como Superstudio, Gruppo Strum, Alchimia, Archizoom Associati e o Memphis, de Sottsass. Todos estes designers e arquitetos tiveram seus trabalhos acolhidos e apresentados na famosa exposição Italy: The New Domestic Landscape, realizada pelo MoMA de Nova York em 1972, sob a curadoria do arquiteto Emílio Ambasz. A exposição deixava claro em sua proposta curatorial as condições de radicalismo assumidas pela produção italiana. Do texto de release temos a seguinte justificativa:
"A Itália assumiu as características de um micro-modelo onde uma vasta gama de possibilidades, limitações e problemas críticos de designers contemporâneos de todo o mundo são representados por abordagens diversas e às vezes opostas. Estas incluem uma ampla gama de teorias conflitantes sobre o estado atual da atividade de design, sua relação com a indústria da construção e desenvolvimento urbano, bem como uma crescente desconfiança em relação aos objetos de consumo". [3]
Aquela nova condição da produção italiana relatada no texto fica ainda mais explícita ao pontuarmos o papel de dois grupos, ambos formados por jovens arquitetos e designers: o Archizoom Associati e o Superstudio, caracterizados por uma produção essencialmente teórica e voltada para a discussão da cidade, da arquitetura e da apropriação de novas tecnologias.
O Archizoom Associati era composto pelos arquitetos Andrea Branzi, Gilberto Correta, Paul Deganello, Massimo Morozzi, e pelos designers Dario Bartolini e Lucia Bartolini. Este grupo buscava uma nova abordagem para o design urbano, com base em emergentes processos e tecnologias de produção do design, numa busca pela inovação, pelo flexível e pelo versátil, condição já banalizada atualmente. Dentre os projetos idealizados pelo grupo, No-Stop-City é destacado por sua proposta excessivamente exagerada de organização urbana.
No-Stop-City (1970) [4] é sobretudo uma crítica irônica à ideologia propagada pelo modernismo arquitetônico, levada a seus limites mais absurdos. O projeto retrata um espaço infinito e inexpressivo em que os humanos vivem como campistas. Os espaços são preenchidos com pedras e galhos, pequenos fragmentos de natureza trazidos para dentro do mundo estéril e artificial. Tendas, eletrodomésticos e motocicletas mostram que as necessidades básicas são atendidas em uma tentativa de radicalizar o componente industrial de desenvolvimento da arquitetura moderna.
O Superstudio foi outro importante grupo desse período, com uma intensa produção e influência, que nos últimos anos tem sido revisitado em uma série de exposições, publicações e estudos acadêmicos. O grupo foi fundado em Florença, no ano de 1966, pelos arquitetos Cristiano Toraldo di Francia, Roberto Magris, Gian Piero Frassinelli, Alessandro Magris e Alessandro Poli.
O projeto "Twelve Cautionary Christmas Tales: Premonitions of a Mystic Rebirth of Urbanism" era a proposta de doze cenários urbanos apocalípticos. Sua primeira publicação aconteceu por intermédio da revista Architectural Design, n12, de 1971. Acompanhada por desenhos e fotomontagens esta utopia negativa - ou distopia - representava também uma análise crítica de normas de desenvolvimento urbano moderno quando levadas ao limite. Cada uma dessas doze “cidades ideais” mostrava sua insuficiência em face dos problemas relacionados a complexidade da cidade contemporânea, uma entidade em constante mudança. [5]
Assim, em No-Stop-City, ou nas 12 cidades do Superstudio, podemos perceber que o design - tomado aqui em sua acepção mais ampla, a de projeto - utilizado como uma ferramenta para o exercício da crítica foi a questão-chave dentro do Radical Design. Essa atitude perante o mundo e o estado das coisas foi posteriormente incorporada, renovada e reconfigurada por Dune em seu Critical Design.
O Critical Design utiliza produtos, objetos e experiências para exercer sua crítica sobre as condições sociais, ao mesmo tempo em que explora e amplia as fronteiras do design. Assim, tal concepção se encontra muitas vezes em uma zona incerta e indefinida entre a arte e o design. O Critical Design é uma atitude, uma forma de marcar posição e desafiar pressupostos e nesse sentido se aproxima da arte. Mas se também se diferencia, nas palavras de Dune, por sua necessidade de fazer parte da vida cotidiana, de abrir possibilidades ao que pode vir a ser e de ampliar essa discussão a um público mais vasto. [6]
Ao longo dos anos, o Critical design tem servido de instrumento para ativismos sociais e políticos, como a própria obra desenvolvida pela dupla Dune e Raby. Ao propor uma série de trabalhos denominada Hertzian Tales (1994-97) demonstram posicionamento marcadamente satírico e politizado. O trabalho é composto por inúmeras peças de mobiliário com características especiais, entre as quais se pode encontrar a Faraday Chair, um sofá envolto por uma proteção contra o eletromagnetismo gerado pelos equipamentos eletrônicos presentes em nossa vida cotidiana, uma redoma que ao mesmo tempo nos resguarda e aprisiona.
O projeto crítico embutido neste conceito tensiona também a fronteira entre design, ciência e ética, criando uma espécie de obra ficcional em que cenários futuros são criados para aplicações projetuais alternativas, experimentais, com intensa carga utópica. Nesse sentido, o Critical Design estabelece um contato direto com o seu antecessor, o Radical Design. Como uma disciplina já estabelecida há alguns anos e com outros desdobramentos, o Critical Design faz uso de toda sorte de experiências para apresentar uma avaliação crítica severa do mundo e da nossa posição em meio a processos naturalizados.
Assim, o papel da crítica no design [e na arquitetura] pode ser visto aqui mais como o de formular perguntas do que propriamente apontar ou encontrar respostas. Uma forma de nos fazer pensar, nos sensibilizar e provocar ação ou reação, ou simplesmente um debate. Essa inversão - entre formular perguntas ou respostas - é extremamente relevante e seu entendimento pode nos ajudar a redesenhar novos panoramas para a arquitetura.
NOTAS
[1] http://www.domusweb.it/content/domusweb/en/design/2011/08/31/states-of-design-04-critical-design.html
[2] DORMER, P. Design since 1945. New York, NY: Thames and Hudson, 1993.
[3] http://www.moma.org/momaorg/shared//pdfs/docs/press_archives/4800/releases/MOMA_1972_0029_26.pdf
[4] BRANZI, A. No-Stop City: Archizoom Associati. Orléans: Hyx, 2006.
[5] http://www.cristianotoraldodifrancia.it
[6] http://www.dunneandraby.co.uk/content/bydandr/13/0